#o# Dependência de Serviço #o#
Catita só não era infeliz quando lavava os banheiros. Se distraía, que chegava a cantar baixinho. Não entendia porque essa gente rica tinha tanto asco das próprias imundices, mas ficava satisfeita, porque naqueles instantes tinha paz assegurada. Nada de interrupções, urgências, vexames ou invasões. E chegava a ser gostoso sentir o piso frio e molhado entre os dedos dos pés.
Trabalhava na casa de dona Eulália há cinco anos. Chegou ainda meninota, perto dos 17. Já conhecia de cor ofício de casa - lavar, passar, cozinhar, varrer, polir, encerar - por isso foi bem recebida pela patroa e sua família. Ainda não sabia ler, mas logo ia aprender, para poder fazer compras e receitas da dona da casa. Ficou feliz com seu primeiro emprego e por passar a morar num bairro nobre, agora que ela ia dormir no serviço. Gostou de conhecer seu quarto, suas roupas, o monte de talher, prato e toda sorte de utensilhos novos e bonitos com que ia lidar. Sem falar da infinidade de produtos de limpeza para todo tipo de sujeira.
Da primeira vez que aconteceu, ela ficou revoltadíssima, quis matar, quis morrer, chorou até. Depois, se acostumou. Ficava um grande incômodo, é verdade, mas como um enjôo, nada que não passasse logo e ela voltasse a sorrir apaticamente. Dona Eulália tinha dois filhos, um de 13 e outro de 18 anos, os donos de tudo. Entre dedadas, alisadas, dizeres cruéis e o roçar indecente dos corpos, importunavam Catita e seu corpo jovem. Quando relatou à patroa a prática dos rapazes, recebeu um tapa no rosto e um "nunca mais repita isso, sua negrinha safada!".
Catita era um curioso brinquedo. Observada nua durante o banho, seios tomados à força durante a madrugada, sexo mexido de raspão. Se tornou uma moça sisuda, arredia. Começou a namorar o Zé Porteiro. O sonho de casar juntou-se ao de virar professora primária. Desde que aprendeu a ler, achava que este era seu destino dourado. Era nisso que pensava enquanto ouvia rádio naquele quartinho seu que não era seu. Nem mesmo a "decoração" pessoal, de recortes de revista, tornava aquele o lugar dela.
Desmandos e humilhações, ia engolindo seco, juntando tudo para um dia se vingar ou então jogar fora quando estivesse livre. Às vezes custava a dormir pensando em suas raivas. No outro dia, passava, até que viesse uma nova investida contra seu corpo, um xingamento... Tinha vontade de contar tudo ao Zé e lhe pedir ajuda, mas sabia que não podiam com aquela gente. E era capaz de ser ainda mais humilhada!
Sempre que era seu aniversário, Dona Eulália, Dr. Antônio e os meninos se achavam muito generosos com Catita. Este ano, ela recebeu de presente uma torta e um vestido de tecido fino. Tudo muito bonito, de boa qualidade. Nessas horas é que, sem sentir, ela jogava fora toda a raiva acumulada. E se sentia "da família".